Por “imaginário” entendemos um conjunto de
imagens visuais e verbais gerado por uma sociedade (ou
parcela desta) na sua relação consigo mesma, com outros
grupos humanos e com o universo em geral. Todo
imaginário é, portanto, coletivo, não podendo ser
confundido com imaginação, atividade psíquica individual.
Tampouco se pode reduzir o imaginário à somatória de
imaginações. Obviamente estas também se manifestam em
quadros históricos, pois, mesmo ao imaginar, cada
indivíduo não deixa de ser membro de uma sociedade e de
seus valores objetivos e subjetivos. Porém, por englobar o
denominador comum das imaginações, o imaginário as
supera, interfere nos mecanismos da realidade palpável
(política, econômica, social, cultural) que alimenta a própria
imaginação.
Mais precisamente, o imaginário faz a intermediação
entre a realidade psíquica profunda da sociedade (aquilo
que os historiadores às vezes chamam de mentalidade) e a
realidade material externa. Desta, o imaginário leva para a
primeira os elementos que na longa duração histórica
podem transformá-la; daquela, leva para a segunda as
formas possíveis de leitura da sociedade sobre ela mesma.
Neste trânsito circular, os instintos, os sentimentos, as
sensações, traduzidos culturalmente, adaptam-se à
realidade objetiva, e assim formulados são reprocessados
pela realidade psíquica. Resultante do entrecruzamento de
um ritmo histórico muito lento (mentalidade), com outro bem
mais ágil (cultura), o imaginário estabelece pontes entre
tempos diferentes. A modalidade do imaginário que foca
sua atenção em um passado indefinido para explicar o
presente é o que chamamos mito. Aquela que projeta no
futuro as experiências históricas do grupo – concretas e
idealizadas, passadas e presentes – é ideologia. A terceira
modalidade, que parte do presente na tentativa de
antecipar ou preparar um futuro, que é recuperação de um
passado idealizado, é utopia.
Naturalmente os limites entre essas formas de
imaginário são movediços. Tais formas jamais existiriam
historicamente em estado puro, e com freqüência cada uma
delas acaba por assumir as funções das outras. Diante
disso, muitas vezes é preferível utilizar a denominação
genérica – imaginário – às particulares (mito, ideologia,
utopia), que encobrem recortes conceituais problemáticos.
O importante é que toda sociedade é, ao mesmo tempo,
produtora e produto de seus imaginários. Logo, a
verdadeira história, aquela que considera o homem na sua
complexidade e totalidade, encontra-se na articulação entre
a realidade vivida externamente e a realidade vivida
oniricamente. (...)
(FRANCO JÚNIOR, Hilário. Cocanha. A história de um país
imaginário. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 16-17).
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