20/07/2011 - 09:37 - Atualizado em 20/07/2011 - 09:37 - revista ÉPOCA
Casar várias vezes
É bom nos acostumarmos a essa ideia. Ela veio para ficar
Fiz as contas outro dia e descobri que conheço quatro mulheres recém-separadas com pouco mais de 30 anos. Elas se casaram na segunda metade dos 20, tiveram filhos e agora estão recomeçando a vida. Assim como os ex-maridos delas.
No fim de semana fui tomar café com uma das quatro. Ela parecia animada, mas apreensiva. Bonita e feliz, diz que não tem faltado sexo depois do casamento. Sempre aparece um sujeito interessante que está interessado. O problema é depois: rola ou não rola algum tipo de relacionamento? Não tem rolado, e isso a deixa nervosa. Minha amiga gosta de namoro, intimidade, manhãs de domingo a dois, lendo jornal no sofá. “Não aguento mais me arrumar para sair com um cara novo”, ela se queixa, rindo de si mesma. “Dá muita preguiça esse negócio de procurar parceiro.”
Ao conversar com ela, tive a impressão inexorável de que nós todos - homens e mulheres de todas as idades - vamos ter de nos acostumar a essa forma essencial de instabilidade. Assim como não existe mais emprego para a vida inteira, talvez não haja mais casamento para a vida inteira. Constatar isso impede que a gente relaxe e se acomode. Afinal, tanto o emprego quanto o casamento podem acabar a qualquer momento. Você pode ser demitido.
Talvez seja cruel pensar assim, mas é parte da nova realidade.
Antes, a gente se casava uma única vez. Escolhia um parceiro antes do 30 anos e ficava com ele até o fim da vida. Para o bem e para o mal. Mas isso, faz tempo, é verdade para um número cada vez menor de pessoas. Só os que têm muita sorte ou são imensamente conformistas passam a vida com um único parceiro. A maioria – ao menos no meio em que eu vivo – terá múltiplas relações durante a vida.
Dá preguiça começar de novo, mas acho que não tem outro jeito.
Assim como trocamos de emprego, de casa, de amigos e de ideias ao longo da existência, me parece (quase) inevitável que haja renovação em relação aos parceiros. A alternativa a isso seria renovar as relações por dentro, indefinidamente, por meio de projetos, filhos, mudanças, experiências novas e, claro, amor, muito amor. Mas quem consegue manter esse trem perpetuamente em movimento? Sábios ou sortudos, que são minoria em qualquer lugar.
As pessoas mudam com o tempo, distanciam-se uma da outra e, para muitos, a ligação acaba. Como se faz para casar com uma pessoa aos 25 anos e seguir contente com ela aos 45? Eu não faço ideia. Nem me parece que a permanência seja a coisa mais natural ou mais desejável do mundo.
Mas a intenção desta coluna não é advogar a fragilidade ou a transitoriedade do casamento. Já fiz isso tantas vezes que os leitores assíduos devem estar entediados. Meu propósito é outro.
Desta vez eu queria enfatizar que a vida com múltiplos casamentos afeta as nossas escolhas e propõe mudanças na forma como nos relacionamos com o outro. Uma coisa é se casar achando que aquele é um evento único e vitalício. Outra é imaginar que o casamento faz sentido no momento, mas pode deixar de fazer no futuro. Essa nova perspectiva sugere cuidados diferentes.
O essencial é imaginar que a pessoa que hoje é seu marido ou sua mulher pode se tornar um ex. Como ele caberia nessa outra função? Alguns exemplos de como essa pergunta pode ser relevante:
1. Uma pessoa que mantém péssimas relações com os seus ex é, provavelmente, forte candidata a manter uma relação detestável com você no futuro. A não ser, claro, que você imagine que o casamento de vocês, ao contrário de todos os anteriores dele ou dela, nunca vai acabar...
2. Gente economicamente dependente também pode ser um problema. Agora você está apaixonado – ou apaixonada – e banca tudo sem sentir-se incomodado. Mas quanto tempo vai durar a sua generosidade se o amor acabar? Se a experiência do resto da humanidade se aplica a você, pouquíssimo tempo. A dependência, porém, permanece, e pode tornar-se um aborrecimento bíblico.
3. Você acha bonita a maneira como ela pode ser agressiva e teimosa com estranhos quando se trata de defender os interesses dela? Então se imagine por dois segundos do outro lado da mesa – é onde você vai estar, como um estranho, se um dia o casamento terminar em disputa.
4. Generosidade é essencial na vida e pode ser ainda mais necessária quando as pessoas se separam. Você não quer discutir dinheiro, móveis, imóveis, discos ou filhos com um egoísta – ou uma egoísta - que não consegue se colocar no lugar do outro e quer levar vantagem em tudo, certo?
5. Ter amigos é essencial. Ter família ajuda. Pode ser divertido viver numa bolha a dois por algum tempo, mas, se você é a única referência afetiva de alguém, sair de um casamento com essa pessoa pode tornar-se um pesadelo.
6. Flexibilidade é um requerimento básico. Se você vai ter filhos, tem de estar preparado para a possibilidade de, dentro de alguns anos, vê-los morando com padrastos ou madrastas. No início dói um pouco, mas, se essas funções forem ocupadas por pessoas do bem, o convívio fará bem às crianças ou jovens adultos envolvidos.
Essa lista de recomendações defensivas, embora útil, não encerra o que eu tinha dizer sobre as consequências dos casamentos múltiplos. Há um aspecto libertador na constatação de que o casamento não precisa ser eterno: podemos errar com menos culpa e até fazer experiências que não faríamos na situação anterior.
Se você conhece alguém atraente, mas sabe, lá no fundo, que a pessoa não é “adequada”, o que fazer? Antigamente, o bom senso prevaleceria sobre a paixão. Afinal, tratava-se da vida inteira. Não mais. Agora podemos viver as aventuras. Podemos nos casar com uma pessoa que nos enche os olhos, a cama e o coração mesmo intuindo que aquilo não vai durar. Podemos experimentar. Claro, as pessoas sempre fizeram isso, mas os resultados eram potencialmente devastadores. Estavam condenadas a passar décadas com as consequências de um impulso. Isso acabou.
O resultado é que podemos nos preparar, do ponto de vista do casamento, para viver várias vidas. Ou várias experiências, cada uma delas adequada a um momento da nossa existência. Algumas serão intensas e breves, outras tranquilas e duradouras. O importante, como na música, é a possibilidade de viver as emoções.
Está claro, pelas estatísticas colhidas no mundo inteiro, que as pessoas gostam do casamento. Da cerimônia, da relação que se cria a partir dela, da família. O casamento forma parcerias únicas e propicia um erotismo profundo, que se atinge apenas nas relações duradouras. Ele fornece um ambiente adequado para a criação dos filhos e ajuda na multiplicação do patrimônio.
Sempre houve boas razões para as pessoas se casarem. Isso não mudou. O que não existe mais é uma razão para permanecer casado quando o prazer da relação terminou. O casamento continua sendo uma boa ideia – que agora pode ser repetida uma, duas, três ou vinte vezes ao longo da vida.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI250393-15230,00-CASAR+VARIAS+VEZES.html
IVAN MARTINS
É editor-executivo de ÉPOCA
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