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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sonhos D'oro



Sonhos D'oro
José de Alencar


I

O sol ardente de fevereiro dourava as lindas serranias da Tijuca.
Que formosa manhã! O céu arreava-se do mais puro azul; o verde da relva e da folhagem sorria entre as gotas de orvalho, cambiando aos toques da luz.
Frocos de névoa, restos da cerração da noite, cingiam ainda os píncaros mais altos da montanha, como pregas de véu flutuante, ao sopro da brisa, pelas espáduas das lindas amazonas, que durante o verão costumam percorrer aquelas amenas devesas.
Seriam sete horas.
Um passeador solitário seguia a pé e distraidamente por um dos muitos caminhos que se cruzam em várias direções pela encosta ocidental da montanha. Levava ele embaixo do braço esquerdo um álbum de desenho, naturalmente destinado à cópia das magníficas perspectivas, que oferecem a cada passo as quebradas da serrania.
Era moço de 28 anos. Seu rosto de traços nobres não tinha decerto a beleza correta e artística do tipo clássico, nem a faceirice de certos casquilhos, príncipes da moda: apresentava porém uma fisionomia simpática e distinta. O olhar sobretudo, que é o sol d'alma, lhe esclarecia a larga fronte pensativa de reflexos inteligentes.
Trajava com extrema simplicidade. Tinha um vestuário completo, ou no jargão parisiense dos alfaiates, um costume ainda bem conservado e decente, apesar de um tanto fanado na gola. Notava-se a ausência completa do ouro: a abotoadura era toda de marfim; e não se via sinal de relógio.
Depois de alguns minutos de passeio, o moço, cujos olhos iam percorrendo com indiferença as bordas do caminho, de um e outro lado alternadamente, desviou-se do trilho batido e seguiu por dentro do mato. Mal tivera tempo de sumir-se entre a ramagem do arvoredo, quando ouviu-se o tropel de um cavalo que passou a galope. Enfiando o olhar por entre as folhas, pôde ver o cavaleiro, o qual era rapaz de 21 anos, de belo parecer e maneiras agradáveis. Montava um cavalo castanho.
- Fábio!
- O cavaleiro colheu prontamente as rédeas, fazendo estacar a montaria, e voltou-se duvidoso para ver se com efeito o haviam chamado, como lhe parecera. A rapidez do galope e a repercussão do solo tinham impedido que ouvisse distintamente a voz do passeador a pé:
- Que milagre!... Hoje madrugaste!...
- Ah! És tu, Ricardo?! Exclamou o cavaleiro retribuindo o sorriso. Vou à "Vista dos Chins" com uns rapazes que estão aí no hotel do Jourdain. Convidaram-me ontem à noite. É um piquenique! Queres ir também?
- Só se partíssemos ao meio o "Galgo", observou Ricardo, alisando a linda anca do cavalo.
- Dou-te garupa! Replicou Fábio gracejando.
- Obrigado!... Luisinha teria ciúmes.
- Bem; vai romantizar com as flores, que os sujeitos estão à minha espera. Talvez já chegue tarde! Digam lá o que quiserem. Um homem deve se dar a respeito, e não comparar-se com os animais e os carroceiros que deitam de dia e acordam-se de noite.
Atirando esse gracejo, Fábio deu de rédeas ao animal e partiu a galope.
- Olha o "Galgo", hem! gritou Ricardo.
- Com efeito!... nem de Bela tens tanto cuidado!
Ricardo sorriu e, acompanhou com os olhos o amigo até que sumiu-se na volta do caminho. Não era porém o cavaleiro, apesar de elegante, o que prendia a tenção do passeador, e sim o cavalo cuja fina roupagem castanha brilhava aos reflexos do sol. A esbelteza das formas esgalgadas e o garbo dos movimentos fáceis e vivos, lhe tinham merecido o lindo nome dado pelo dono.

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