As árvores em Brasília
Manoel Cláudio da Silva Júnior
É comum encontrar nos documentos sobre a criação de Brasília o comentário que a região foi desbravada pelos pioneiros. Entretanto, nada de bravo havia por aqui! Os bravos, eles sim, chegaram para construir a nova capital. A vegetação e fauna regional, sensíveis que são, nunca haviam vivenciado tamanha destruição.
Com o pano de fundo que visava atender muitos interesses políticos e econômicos, a população humana foi convencida que a construção de Brasília foi o grande feito da nossa sociedade. Nas entrevistas e documentos da época é comum notar a referência sobre a vegetação local... Aqui não tinha nada! Só mato! Este sentimento se refletiu na construção da nova capital.
Mesmo na cidade planejada, quando se sabia onde cada edificação deveria estar, a vegetação local não foi incluída no planejamento. Os tratores dos bravos reviraram o solo e tudo que havia em cima deste para erguer um novo monumento no Planalto Central.
Hoje restam poucos remanescentes da vegetação que vicejava por aqui antes de Brasília. A humanidade, por não saber lidar com o tempo, acaba por não ter tempo! Assim desconhece os outros humanos e a vegetação que está a sua volta.
Nestes 50 anos, a arborização em Brasília aprendeu com seus próprios erros e ainda tenta oferecer aos moradores conforto ambiental. Na cidade que anualmente vivencia seis meses secos, as árvores são por demais importantes.
Em dissertação recente, Roberta Lima encontrou resultados interessantes. O censo das árvores em 39 superquadras no Plano Piloto arborizadas nas décadas de 60, 70 e 80 e 90-00 encontrou 15.187 árvores de 45 famílias e 162 espécies, bastante diversificadas se comparadas às de outros centros urbanos. As mangueiras, os cambuís, os jamelões, as saboneteiras os fícus e as sibipirunas foram as mais plantadas. Muitas espécies usadas inicialmente na década 60 foram substituídas. O número de espécies nativas foi aumentado, entretanto, as espécies exóticas ainda compõem a maioria das árvores plantadas. A arborização das quadras edificadas nas décadas 90-00 aparentemente não foi executada pelo estado (Novacap).
Observou-se que os novos prédios são construídos e arborizados pelas empreiteiras que investem pouco esforço mental e financeiro para compor o paisagismo. Assim, o número de espécies é muito baixo, monótono, o que resultou em diferenças onde superquadras arborizadas pela Novacap incluem mais de 600 árvores enquanto que superquadras arborizadas pelo setor privado incluem até o mínimo de 90 árvores.
Esta é mais uma declaração da falta de habilidade da humanidade em lidar como tempo que, por isto, tem prioridades equivocadas que não consideram a importância da arborização para o conforto ambiental em qualquer centro urbano.
Neste período de aquecimento global, quando a humanidade vivencia eventos climáticos com ventos e chuvas potencializados que vêm destruindo vidas e sonhos de tantos seres vivos, vale a pena pensar: será que vamos comemorar os 100 anos de Brasília?
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PERFIL
Graduou-se em Engenharia Florestal e em Biologia, com mestrado em Ciência Florestal e doutorado em Ecologia Florestal pela Universidade de Edinburgo. Tem experiência na área de Recursos Florestais e Engenharia Florestal , com ênfase em Conservação da Natureza. Atua principalmente nos seguintes temas: Cerrado, Árvores, Relação solo-planta, Corredores Ecológicos, Queimadas. Professor Titular do Departamento de Engenharia Florestal da UnB e Membro do Centro de Referência em Conservação da Natureza e Recuperação das Áres Degradadas-CRAD/EFL/UnB.
http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=255
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