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sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Biblioteca de Alexandria




Biblioteca de Alexandria

O caso mais famoso é o da biblioteca de Alexandria, aquela que teria tido como meta incluir todos os livros do mundo - o mundo helenístico do século 3 a.C. - e cuja destruição assinalou o fim do mundo da Antiguidade. É difícil separar os fatos dos mitos que cercam sua história, mas alguns pontos parecem estar claros: não, Marco Antônio não cortejou Cleópatra com a promessa de lhe dar a biblioteca rival de Pérgamo, nem a coleção de Alexandria, em seu auge, chegou a incluir 900 mil rolos de papiro, embora seja verdade que ela representou o maior cabedal de conhecimento que podia ser encontrado em qualquer parte do Império Romano. Júlio César não a queimou até o chão em 47 a.C., e os muçulmanos não acabaram de dar cabo dela, num acesso de fanatismo, depois de conquistarem Alexandria, em 642. Ela provavelmente já tinha se desintegrado muito antes, não em razão de violência, mas do apodrecimento dos papiros.Em outras palavras, a biblioteca de Alexandria não teve um final dramático, nada comparável ao que aconteceu com a Biblioteca Nacional em Bagdá. Mas o fogo e os saques sempre marcaram a história das bibliotecas em momentos cruciais de virada, a começar pelo saque de Atenas, em 86 a.C., quando os romanos pilharam o que restara da biblioteca de Aristóteles, a maior da Grécia, que servira de modelo para a biblioteca de Alexandria. No estudo mais recente feito sobre a biblioteca alexandrina, Luciano Canfora evoca uma série de catástrofes - Atenas, Roma, Pérgamo, Antióquia e Constantinopla - e conclui, com tristeza: 'Em meados do século 4º, Roma estava praticamente destituída de livros. (...) Contemplando essa série de fundações, refundações e desastres, seguimos um fio condutor que interliga os diversos e, em sua maioria, vãos esforços do mundo helenístico-romano para preservar seus livros.'. A perda dos livros significava a perda de uma civilização. Os estudiosos do classicismo conseguiram juntar os pedaços que restaram e montar quadros da Antiguidade, mas é provável que saibamos apenas uma pequena fração do que poderíamos saber se as bibliotecas tivessem sobrevivido. A obliteração de civilizações não pode limitar-se ao passado distante, onde podemos deplorá-la desde uma distância segura e em tom melancólico: 'À glória que foi a Grécia,/ E à grandiosidade que foi Roma'. Vândalos depredam culturas o tempo todo. Eles o estão fazendo hoje, nas selvas da América Central e do sudeste asiático. Grandes extensões de civilização desapareceram de maneira irrevogável alguns anos atrás, quando as bibliotecas de Sarajevo e Bucareste se consumiram em chamas. E o Khmer Vermelho talvez tenha obliterado a maior parte do que se podia saber sobre a civilização do Camboja quando destruiu a Biblioteca Nacional de Phnom Penh. Aniquilando o passado Era exatamente esse, de fato, o objetivo do Exército de Pol Pot: aniquilar o passado e recomeçar outra vez a partir do que o Khmer Vermelho chamou de o 'ano zero'. Não contentes em queimar os livros (pelo menos 80% foram destruídos), eles mataram também os bibliotecários (sobreviveram apenas três dos 60 que havia no país). Os livros mais valiosos eram escritos sobre folhas de palmeira. Como as folhas se decompõem na umidade tropical, elas tinham que ser recopiadas a cada poucos anos por monges budistas. Mas o Khmer Vermelho também destruiu os monges, de modo que não sobrou ninguém para salvar o que restara da biblioteca - que, desde então, apodreceu em meio às ruínas. Poucas pessoas se dão conta da fragilidade das civilizações e do caráter fragmentário dos conhecimentos que temos a seu respeito. A maioria dos estudantes acredita que aquilo que lê nos livros de história corresponde ao que a humanidade viveu no passado, como se tivéssemos recuperado todos os fatos e os enfileirado na ordem correta, como se tivéssemos tudo sob controle, escrito em preto e branco e embalado em segurança entre as capas de um livro didático. A ilusão se dissipa rapidamente para qualquer pessoa que já tenha trabalhado numa biblioteca ou num arquivo. DesconhecimentoVocê encontra uma pista numa fonte publicada, vai atrás de uma referência num catálogo, segue uma trilha de papel, passando por caixas de manuscritos -mas o que encontra no final? Apenas alguns poucos fragmentos que, de alguma maneira, conseguiram sobreviver para servir de evidência do que outros seres humanos viveram em outros tempos e outros lugares. Quanto desapareceu sob os escombros? Não conhecemos nem sequer a extensão de nosso desconhecimento.Assim, por imperfeitos que sejam, bibliotecas, arquivos, museus, escavações arqueológicas, pedaços de papel e fragmentos de cerâmica constituem tudo o que podemos consultar para tentar reconstruir os mundos que perdemos. A perda de uma biblioteca ou de um museu pode significar a perda de contato com um traço vital da humanidade. Foi isso o que aconteceu em Bagdá. Quando a perda lhe foi relatada, o secretário de Defesa norte-americano, Donald Rumsfeld, não parece ter se abalado. 'Já tivemos saques neste país', explicou, num briefing no Pentágono. 'Já vimos tumultos em partidas de futebol em vários países do mundo.' Próxima pergunta. (Tradução de Clara Allain)(Folha de SP, Mais!, 4/5)

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