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segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL






HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL

Logo após a decretação do Estado Novo, em dez de novembro de 1937, presenciou-se num estádio do Rio de Janeiro um singular espetáculo propagandístico. O próprio Getúlio Vargas em pessoa, perante uma arquibancada lotada e atenta, imbuída de fervor cívico, presidiu a chamada cerimônia da queima das bandeiras. As flâmulas estaduais eram, uma a uma, incineradas numa grande pira erguida em meio a pista do estádio. Cada pano colorido devorado pelas chamas, que supunham estar a queimar a serviço de uma pátria unida, colhia os aplausos da multidão. Doravante nenhuma parte da federação teria mais a sua bandeira. Apenas a do Brasil imperaria. Só o chefe da nação, o presidente Getúlio Vargas, mandaria.
Afinal, na prática, também não existia mais a federação, pois cada estado estava em mãos de um interventor e cada município a mando de um intendente.
Por instância dos representantes do Rio Grande do Sul, presentes no espetáculo pírico, encaminhou-se ao ditador o pedido para que a bandeira do nosso estado, a tricolor herança dos farroupilhas, não sofresse o destino das demais. Getúlio Vargas poupou-a. Mas não salvou-se a nossa história regional. Ela foi-se dos livros, banida dos manuais escolares.
Desconhecendo a nossa história: liquidado o Estado Novo em 1945, um jovem estudante do interior do estado, recém-matriculado no Colégio Júlio de Castilhos, resolveu conhecer a cidade. Os nomes das ruas pelas quais passou porém nada lhe diziam. Quem seriam Protásio Alves, Ramiro Barcelos, Barros Cassal, Assis Brasil ou Demétrio Ribeiro? Ou esse tal de João Abott? Osvaldo Aranha ele conhecia, mas Borges de Medeiros e o próprio Júlio de Castilhos nada lhe diziam. Muito menos Carlos Barbosa ou Siqueira Campos. Sentia-se andar por uma cidade cujas placas de ruas e praças abrigavam fantasmas de um mundo nunca sabido.
O Estado Novo suprimira-os da memória. Senão conseguira removê-los das placas, expurgou-os dos manuais escolares. A história do nosso estado, das nossas coisas, do nosso povo, ficou ausente dos bancos colegiais, desconhecida por milhares de jovens que passaram a saber dela pelo "ouvi dizer", ou pela narrativa de um parente idoso qualquer.
A nova reconcentração do poder, a feita pelos militares em 1964, repetiu a dose. Segui-se com eles a época do "Brasil grande", do ufanismo nacionalista. Nada de história rio-grandense, nem de vultos locais.
Esquecendo-se de Castilhos: de certa forma Júlio de Castilhos - "o homem que inventou a ditadura no Brasil", segundo Décio Freitas - caiu no esquecimento dos gaúchos na maior parte do século, vítima de si mesmo, da sua ideologia, por ter inoculado em Getúlio Vargas, seu mais expressivo herdeiro, e nos militares, seus autoritários sucessores em 1964, o seu viés centralista, exclusivista, doutrinário, desprezador das particularidades locais. Mas é com ele, com Júlio de Castilhos, que seguramente começa a história do nosso século XX.
O Rio Grande Castilhista (1891-1930)
O diagnóstico do doutor Protásio Alves foi definitivo. O governador Júlio de Castilhos estava para morrer. Um câncer devorou-lhe a garganta. Sua morte, em 1903, numa mesa de cirurgia improvisada, causou comoção geral. Anos depois o seu sucessor, o doutor Borges de Medeiros, coletou recursos entre o comércio porto-alegrense para erigir-lhe uma imensa estátua, erguida na praça da Matriz, onde o chefe republicano, sentado numa singela cadeira-trono, cercado por toda sorte de ícones positivistas, traz em sua mão a Carta de 1891: a constituição comtista.
Castilhos e Comte: Júlio de Castilhos era o protótipo do homem-idéia, o político que tinha uma filosofia, uma causa, uma missão. Autoritário e culto, duro e visionário, acreditava, inspirado em seu mentor ideológico, o pensador francês Auguste Comte, ter a humanidade chegado na era cientifica, positiva. Para implantá-la, necessitava-se de um Estado forte, coeso - uma ditadura republicana -, que estimulasse as ciências, as engenharias, as matemáticas e tudo o mais que dissesse respeito ao moderno saber, a fim de garantir a chegada do progresso. E assim se fizeram as nossas primeiras faculdades e nossas primeiras escolas profissionalizantes.
Para a gerência futura do novo regime republicano que ele e seu grupo constituíra em 1891, ordenou que se fundasse em 1900 um grande colégio secular movido à energia cívica, a fim de formar a elite política do Estado: o Colégio Júlio de Castilhos.
Desconfiado da democracia, de quem só via o lado baderneiro e anárquico, o jovem prócer confiava o destino da sociedade gaúcha a um reduzido número de sábios luminares, os seus companheiros do aguerrido PRR (Partido Republicano Rio-grandense), gente escolada na luta contra a monarquia, contra a escravidão, e contra o maragatismo, a quem decretaram uma guerra de extermínio entre 1893-95, recomendados por Castilhos num telegrama tristemente famoso a que "ao inimigo não se dá trégua nem quartel!" Eram eles, os próceres republicanos, os novos homens do século que se inaugurava.
A máquina republicana: morto precocemente, o Patriarca, que é como o chamavam, restou a poderosa máquina política do PRR com seus incontáveis chefes, subchefes e chefetes espalhados pelos mais de cem municípios rio-grandenses. Fora-se o ditador, mas a ditadura republicana perduraria até 1928.
Quem herdou-lhe o controle foi o doutor Borges de Medeiros, seco em carnes e em palavras, que encarnava em seu temperamento a frieza das engrenagens partidárias montadas pelo castilhismo e a certeza da doutrina positivista. Sua aparência insípida, de modesto burocrata, inspirou anos depois, a que um dissidente republicano, o dr. Ramiro Barcelos, o comparasse, num mordaz e cruel poema satírico, ao chimango, um desolado e rapineiro pássaro do pampa (ver Antônio Chimango). Porém nos trinta anos que se seguiram (de 1898 a 1928), nenhuma eleição seria perdida por ele. Nada seria deixado à oposição maragata, que ousara em 1893 levar o estado a uma bárbara guerra civil de 12 mil mortos, entre os quais inúmeros degolados.
Enquanto em outros estados da federação recém-implantada em 1891, ex-monarquistas compartilhavam do poder com os minoritários republicanos, o exclusivismo do castilhismo impediu que aqui o mesmo ocorresse. O critério do nosso estado sempre foi o ideológico, não o fisiológico. Aos maragatos, a oposição escorraçada, tratada como inimigo vencido desde 1895, só restou-lhes recorrer às armas quando assim desse. Deu só em 1923. Mesmo assim com pouco resultado, quando a dissidência de Assis Brasil aliou-se com os libertadores do caudilho Honório de Lemos. Os neocastilhistas, liderados por Getúlio Vargas, mais conciliadores com a oposição, assumiram então a direção do governo gaúcho, ao final do último mandato do doutor Borges em 1928.
O castilhismo domina o Brasil: foi por pouco tempo que eles por cá ficaram porque os acontecimentos extraordinários de outubro de 1930 logo os guindaram ao poder central. O castilhismo dali em diante (na forma de um Estado nacional autoritário, constitucionalmente estribado num centralismo uniforme, com enxertos de justiça social saint-simoniana, e com a base social ampliada pelo voto secreto e o voto feminino), levado ao resto do Brasil pela presença getulista, dominaria o país inteiro, concertando os desacertos do liberalismo, desmontado e estonteado pela crise de 1929.
A economia da carne: economicamente, nesse tempo todo, observou-se o enorme esforço do governo gaúcho em dotar-nos de capacidade exportadora. Gradativamente as grandes charqueadas darão lugar em importância aos modernos frigoríficos norte-americanos, o da Swift em Rio Grande, e o da Armour em Livramento, atraídos que foram em 1917 para a fronteira rio-grandense, área das grandes criações de gado. Também travou-se naquela época uma intensa e cara batalha de engenharia contra as bravezas da barra de Rio Grande, para assegurar-lhe o tráfego marítimo, reduzindo-lhe o assoreamento e ampliando-lhe o calado. Por essa época toda, olhando-se assim pelo alto, sem atormentar-se com estatísticas e números, poderia dizer-se que ainda havia um empate entre os dois rio-grandes econômicos: a metade Sul era mais ou menos equivalente à metade Norte. Complementavam-se.
O couro do boi, arrancado na charqueada pelotense, embarcava na Lagoa dos Patos, subindo para o curtume do Rio dos Sinos. O latão com banha de porco da pequena propriedade na colônia alemã, por sua vez, descia rumo ao sul para ir derreter-se na vianda do fronteiriço. Pouca diferença nesse aspecto havia ainda entre Pelotas e Caxias, ou entre Livramento e São Leopoldo.
Em 1938, Getúlio Vargas e sua família quase sucumbiram a um golpe de mão dos fascistas brasileiros, liderado pelo chefe da Ação Integralista, Plínio Salgado. Este acontecimento traumático (foi a primeira vez que um chefe de governo brasileiro foi atacado diretamente num golpe, no qual o Presidente esteve cercado, correndo risco de vida, por várias horas no Palácio da Guanabara no Rio de Janeiro) , teve repercussões enormes na nossa história regional. Sabedor que a embaixada da Alemanha nazista fora informada do putsch integralista e nada fizera para avisá-lo, a ditadura Vargas decidiu-se por uma ação radical que, em 1942 culminaria na declaração de guerra ao Eixo.
A nacionalização das colônias: em boa parte do Sul do país até então, no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, as colonias alemãs e italianas gozavam de inúmeros privilégios étnicos que lhes permitiam manter a língua, a religião e a cultura. As aulas, na maioria das escolas, eram ainda proferidas no seu idioma materno, tendo eles a sua própria imprensa e toda uma gama de clubes privados que lhes garantiam uma identidade e uma independência étnica quase que total. De certa forma continuavam a viver como se as colonias do Sul fosse uma extensão, ainda que pequena, da Alemanha ou da Itália no Novo Mundo.
A ascensão do Fascismo em 1922 e a do Nazismo em 1933, com seu discurso patrioteiro, ufanista e racista, atiçaram nesta parte sul do Brasil algumas ambições separatistas calcadas em argumentos étnicos e raciais: um Brasil-Sul só para brancos, só para caucasianos, dominado pelos ítalo-germanos.
Ambições estas, diga-se, francamente expostas na imprensa (por exemplo, em jornais como o "Vaterland", ou o "Deutsche Turnblätter") e cultivada em suas reuniões em clubes e associações comunitárias ou profissionais. Getúlio Vargas resolveu dar um basta nisto. Todas as antigas zonas de imigração foram por assim dizer nacionalizadas, abrasileiradas por decreto-lei do Estado Novo.
Depois, durante a Segunda Guerra, chegou-se até a proibir que falassem o alemão ou o italiano. O temor que o afã separatista conduzisse a formação de uma quisto nazi-fascista na parte Sul do nosso continente foi tão preocupante que, recentemente, encontraram-se documentos que mostravam a intenção dos Estados Unidos, em caso de guerra declarada, vir a intervir militarmente no Brasil.
A desimportância da política local: enquanto a elite gaúcha, com Vargas, Aranha, Collor, Neves da Fontoura, e tantos outros, desde a Revolução de 1930, enraizava-se no poder, o governo local foi entregue à intervenção do general Flores da Cunha e, depois do rompimento deste com Vargas em 1937, ao general Cordeiro de Farias e, em 1943, ao seu sucessor, o general Ernesto Dornelles (um dos fundadores do PSD gaúcho e mais tarde senador pelo Rio Grande do Sul).
Neste divisor de águas de quinze anos, um estranho processo marcou o Rio Grande do Sul. A ascensão dos seus melhores quadros políticos para a governança nacional esvaziou o estado de bons políticos e também da sua magnitude, tornando-o uma espécie de capitania militar do Estado Novo. Ao empalmar o Brasil com sua liderança, o Rio Grande desinflou-se da sua importância.
Do Rio Grande Populista ao Rio Grande Autoritário (1945-1985)
Quando os deputados da constituinte de 1947 reuniram-se pela primeira vez em Porto Alegre, além da excentricidade deles proporem um regime parlamentarista exclusivo ao nosso estado, um fato étnico chamou a atenção: o aumento significativo de representantes da área colonial ítalo-alemã. Eram os primeiros sinais daquilo que mais tarde iria acelerar-se.
Alargam-se as diferenças: a metade Sul, de origem luso-açorita, campeira, pastoril, da fazenda, do peão "pêlo-duro", e do estanciero de voz grossa, mandona, estiolava-se, dando lugar em importância à metade Norte, povoada pelos descendentes dos imigrantes com suas pequenas e médias urbes coloniais, dominadas pela propriedade familiar, pelo artesanato e pelo industrial diligente, de fala rústica, com um sotaque de alemão ou de italiano abrasileirado.
Desde 1945, conquistada a democracia, Porto Alegre, como uma espécie de zona neutra a ser ganha, será o palco da disputa entre as duas metades do Rio Grande. A isso somou-se a emergência do proletariado urbano, grevista, lutador. O progresso industrial e comercial do estado, a anterior presença de Vargas no poder central(com sua política de proteção ao trabalhador), e a emergência da social-democracia ao poder na Europa atiçaram as lutas sociais.
O trabalhismo e seus adversários: um relativamente bem organizado movimento trabalhista, com doutrina, liderança, partido e bandeira, ideologicamente embalado pelo getulismo e pelo laborismo inglês, emergiu para a conquista do do poder. Do outro lado, o conservadorismo iria alinhar-se, com a benção da Igreja Católica, numa amplíssima frente social que ia do colono pequeno proprietário temente a Deus, ao grande proprietário de terras avesso ao discurso de justiça social.
Grandes embates eleitorais deram-se entre ambos, entre trabalhistas e conservadores, em 1950, em 1954, em 1958 e, finalmente, o último da república populista, ocorrido em 1962, quando os conservadores, capitaneados pelo insosso Ildo Meneghetti, a personificação do anticaudilho, alijaram um brizolismo dividido do poder.
As camadas geológicas: nesta espécie de camadas geológicas das lutas gaúchas: a geográfica, travada entre a metade Sul e a metade Norte; a sócio-política envolvendo trabalhistas e conservadores; mais uma outra deve-se mencionar: a que girava ao redor da funções do Estado, separando o Rio Grande entre os intervencionistas e os não-intervencionistas.
Neste sentido o governo do polêmico governador Leonel Brizola (1958-1962) foi emblemático. Nacionalizações e estatizações, acompanhadas de volumosos investimentos em educação pública, eletrificação, transporte e demais itens da infra-estrutura, formaram naquele final de década um claro contraponto à política jucelinista, calcada na atração de capital externo, voltado para os bens de consumo (particularmente a indústria automobilística, instalada em São Paulo).
E será justamente a instalação do polo automotivo em São Paulo, e tudo o mais que o acompanhou, que acentuará a diferença entre os dois rio grandes econômicos. Como que atraída por um poderoso imã, a metade Norte, que já desenvolvera e adquirira uma certa tradição fabril, especialmente no eixo que vai de Caxias do Sul a Bento Gonçalves, passando por Farroupilha, ligou-se à pujança de São Paulo.
Da Serra a São Paulo: não demorou para que para lá enviasse carroçarias, auto-peças e demais complementos para suprir aquele imenso parque que parecia não ter mais limite nem fim. Centenas de fábricas modernas proliferaram pela região da Serra gaúcha para alimentar o gigante de Piratininga. No Vale dos Sinos, entrementes, em Novo Hamburgo, São Leopoldo e arredores, as indústrias de calçados e de couros conseguiram abrir os mercados internacionais aos seus manufaturados.
Evidentemente que a maior parte dos investimentos estatais desde então fluíram na sua direção, e outros tantos subiram a Serra. Ao longo dos mais de vinte anos que se seguiram sob o regime militar (1964-1985), o prestígio da antiga área colonial só aumentou, enquanto a Grande Porto Alegre e a metade Norte, perfazendo quase 80% do produto interno bruto, aliavam-se na recepção dos grandes pacotes federais que para cá vieram (Refinaria Alberto Pasqualini em Canoas e Polo Petroquímico de Triunfo) ao qual adicionou-se o erguimento de pontes, de viadutos, e a construção de que excelentes estradas.
Durante ao longo dos vinte anos de regime militar, o Rio Grande do Sul voltou a perder sua autonomia política como nos tempos do Estado Novo. Só que de forma diversa. Os vários procônsules do regime militar que aqui assumiram a governadoria (coronel Peracchi Barcelos, Euclides Triches, Sinval Guazelli e Amaral de Souza) o fizeram com respaldo parcial do poder legislativo, dominado pela coligação conservadora formada pelo PSD, UDN e PL, agrupados na sigla da Arena (Aliança Renovadora Nacional).
Da chaminé ao Laçador: no século encerrado, observou-se uma curiosa alternância de símbolos. Até os anos 60 o objeto visual mais marcante da capital do estado, e presente em todos os cartões postais que a identificavam, era o chaminé da Usina do Gasômetro (concluída em 1937) , pela simples razão dela ser a primeira avistada de quem vinha da metade Sul, fosse pela Lagoa dos Patos ou pela barca que fazia a travessia do Rio Guaíba.
Encerrado aquele decênio, foi a vez da estátua do Laçador assumir sua importância e deslocá-la, a chaminé, dos cartões postais e do imaginário local. Situada na parte Norte da capital, na rótula da entrada da Avenida Farrapos, praticamente à saída do aeroporto Salgado Fº, ela, inspirada no tradicionalista Paixão Côrtes, se encontra à vista dos que aqui chegam vindos da metade Norte, ou do resto do país. Entre esses dois símbolos sintetizou-se, mas as avessas, boa parte da nossa história econômica e social deste século. Se a metade Sul encolheu-se perante a magnitude da metade Norte, fazendo com que a proeminência do boi desse lugar à máquina, a espora recolhia-se frente ao óleo e a ferramenta, se a Serra ensombrava o pampa, no jogo simbólico porém, o Laçador, o homem do gado, substituiu a chaminé, o ícone da Indústria!

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