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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

As origens da Feijoada



As origens da Feijoada


O mais brasileiro dos sabores

Reza a tradição que a feijoada, a mais típica entre todas as iguarias que compõem o rico universo gastronômico brasileiro nos foi legada pelos negros escravos. De acordo com o relato mais conhecido em todo o país esse delicioso acepipe teria surgido a partir do repúdio dos portugueses pelas partes menos nobres dos porcos, como as orelhas, rabos ou pés, que tendo sido rejeitados, eram então cedidos aos moradores das senzalas, seus escravos.

A alimentação dos escravos, por sua vez, era escassa e composta basicamente por cereais como o feijão ou o milho. A esses elementos básicos eram acrescidos os temperos tão tradicionais na história ancestral dos povos africanos que foram para cá trazidos nos navios negreiros e também a farinha de mandioca.

De posse de todos esses ingredientes comuns em seu cotidiano e reforçados pela irregular doação das partes negligenciadas da carne de porco, teriam os escravos resolvido cozinhar tudo ao mesmo tempo com feijão, água, sal e condimentos como pimentas diversas (sem, contudo, exagerar na dose). Essa prática teria resultado no surgimento da feijoada que, aos poucos, teria deixado o habitat específico dos trabalhadores cativos e chegado as Casas Grandes dos senhores de engenho.

Não há como averiguar com total certeza a autenticidade desse relato. Na verdade, a busca pelas origens da feijoada demanda uma pesquisa que nos permita juntar peças e montar um autêntico quebra-cabeças a partir de depoimentos e documentos de época que demonstrem quando e como esse tradicional prato foi sendo construído.

Os regionalismos impõem pequenas diferenças ao consumo de feijão ede feijoada em nosso país, mas alguns ingredientes são básicos nessa produção, como o toicinho e a carne seca.

Há, entretanto, entre os pesquisadores mais consistentes do setor de história da alimentação, a constatação de que é pouco provável que os afro-brasileiros tenham sido os criadores dessa obra-prima da gastronomia nacional. É lógico que isso está sujeito a contestações de toda ordem já que estamos falando de uma verdadeira paixão nacional...

O início de nossa conversa sobre a feijoada nos faz retornar ao tempo em que os portugueses por aqui chegaram, na transição do século XV para o XVI. Nesse período foi verificada a existência do comandá (ou comaná, cumaná) entre os indígenas que por aqui viviam. O feijão era uma das plantas que foram identificadas como parte da dieta regular dos indígenas (se bem que, como sabemos, a base dessa alimentação tupi-guarani era a mandioca).

O feijão já existia em nossas terras, mas não era um produto genuinamente americano ou mais especificamente brasileiro. Ele já era consumido na Europa e na África. E mesmo aqui, no Novo Continente, não era o prato principal como poderíamos pensar. Também não era consumido diariamente pelos africanos ou pelos europeus.

Quem consolida o gosto e o consumo de feijão em nossas terras não é o explorador português que se estabelecia em nossas terras, tampouco os indígenas que se alimentavam de feijão como complementação de suas refeições e nem mesmo o africano que estava sendo importado para executar o trabalho pesado nos nascentes canaviais nordestinos. O consumo regular foi consolidado pelos próprios brasileiros, ou seja, pelos descendentes de europeus, africanos e indígenas que dão origem a essa etnia tão particular e renovada nascida em nossas terras.

Mas, historicamente, que brasileiros são esses que criam esse laço de amor eterno com o feijão?

Os bandeirantes paulistas e os vaqueiros nordestinos promoveram a expansão do território nacional e consolidaram historicamente o consumo de feijão em nosso país.

De acordo com o célebre estudo “História da Alimentação no Brasil”, de autoria de um fenomenallpesquisador brasileiro chamado Luís da Câmara Cascudo, o sabor do feijão se incorpora ao cotidiano dos brasileiros a partir da ação de dois grupamentos, um atuando especificamente a partir do sudeste e outro do nordeste, ou sejam, os bandeirantes paulistas e os vaqueiros nordestinos.

Em seu processo de interiorização de nosso país, caçando bugres ou tocando gado, os exploradores paulistas e os criadores de gado da Bahia e de Pernambuco tinham em sua bagagem a farinha, a carne seca e o feijão como companheiros inseparáveis pelas trilhas inóspitas em que perambulavam. A razão para isso era o fato de que esses víveres eram duráveis e podiam ser carregados por longos caminhos sem que viessem a apodrecer rapidamente.

No caso do feijão há um adendo, por onde passavam ou aonde se estabeleciam tanto os bandeirantes quanto os vaqueiros plantavam esse cereal. No caso paulista, ao voltarem, os bandeirantes recolhiam o que haviam semeado meses antes e abasteciam-se para não padecer com a fome. Por outro lado, no sertão nordestino, o feijão era um dos poucos produtos que conseguia se desenvolver em territórios não muito propícios a vários outros gêneros agrícolas...

O feijão, em ambos os casos era a segurança que esses primeiros brasileiros precisavam ter para a realização de seus esforços cotidianos de trabalho e produção.

A consideração em relação a necessidade do feijão para a dieta diária dos brasileiros ainda no período colonial pode ser percebida, por exemplo, pelo fato dos portugueses não terem legislado restrições a venda desse produto a nível interno como o fizeram com todos aqueles que eram interessantes aos seus negócios no mercado externo, caso do açúcar, do tabaco ou mesmo do milho.

Luís da Câmara Cascudo é um dos maiores nomes da pesquisa acerca do Brasil, seus hábitos e costumes, tendo inclusive produzido a obra “História da Alimentação no Brasil”, cânone para os estudiosos desse segmento.

A maior parte do conhecimento que possuímos acerca dessa história é proveniente de relatos de exploradores e viajantes que descobriram e colonizaram o interior de nosso país. A partir da perspectiva desses homens pudemos entender porque era comum se pensar então que “só o feijão mata a fome” ou que “não há refeição sem feijão” conforme dizeres reiterados no século XIX.

Quando chegamos ao século XIX é discurso comum entre os estrangeiros que para cá se deslocaram mencionar em seus escritos que o feijão já havia se tornado essencial, indispensável e típico na alimentação de nosso país, em todas as regiões do Brasil.

As receitas do cotidiano seguem o esquema básico criado pelos vaqueiros e pelos bandeirantes, com o feijão sendo cozido com a carne seca e com toicinho para ter um sabor mais pronunciado e apreciado por todos e acompanhado, depois de pronto, pela inseparável farinha de mandioca.

Era costume em várias regiões que os feijões fossem esmagados e que depois fosse colocada a farinha para se criar uma massa realmente substanciosa com esses elementos e com o caldo originário do cozimento.

Quanto aos escravos, Câmara Cascudo menciona que não trouxeram em seu repertório original africano a tradição de misturar elementos em seus cozidos. Preferiam cozinhar feijão separadamente do milho ou de outros elementos que lhes eram fornecidos para preservar o gosto e o sabor original. Isso já seria um indício de que não foram eles que deram a formatação final para o mais brasileiro de todos os sabores, a feijoada.

Para reiterar ainda mais seus posicionamentos, o pesquisador potiguar lembra da forte influência espanhola sobre a culinária portuguesa e que as tradições ibéricas quanto a cozidos são marcadas pela utilização de vários ingredientes conjuntamente para reforçar o caldo, dando-lhe mais consistência ou “substância” nos dizeres populares.

Menciona, inclusive, que isso não era tradicional apenas entre os ibéricos, mas também entre outros europeus de ascendência latina, como os italianos e os franceses. Para ilustrar seus posicionamentos, Cascudo nos lembra de pratos históricos e conhecidíssimos dessas escolas gastronômicas como a Olla Podrida castelhana, a Paella espanhola, o bollito italiano ou ainda o cassoulet francês.

Diga-se de passagem que entre os portugueses eram comuns os cozidos que misturavam carne de vaca, lingüiças, paios, presuntos, toucinhos, lombo de porco, couve, repolho, cenouras, vagens, abóboras e feijão... branco.

Com toda essa história tão particular e própria e, não dispondo de certos elementos comuns a sua culinária em território brasileiro, não é de se estranhar que possamos atribuir aos nossos antepassados portugueses o advento da feijoada. Refeição completa que reúne num só prato as carnes, as sopas e as hortaliças, adaptada a nossa região com a incorporação dos hábitos bandeirante e vaqueiro de comer feijão, surgiu desse casamento de interesses e contingências a maior e mais famosa delícia brasileira.

É claro que, apesar de todo esse percurso de influências luso-brasileiras, não é possível desprezar a mão dos negros a cozinhar nas casas de família a feijoada e a incorporar a essa iguaria todo aquele calor e sabor próprios dos temperos que conheciam, especialmente das pimentas...

Obs.: Vale lembrar que as receitas tradicionais de feijoada apresentam variações regionais e que, em virtude disso, no Nordeste de nosso país prevalece o uso do feijão-mulatinho nesse prato enquanto a influência carioca impôs no sudeste e no sul a prevalência do feijão preto, constituindo dessa maneira a mais tradicional receita que conhecemos.

Fonte: www.restaurantedenogueira.com.br

História da Feijoada


A explicação mais difundida sobre a origem da Feijoada é a de que o senhores das fazendas de café, das minas de ouro e dos engenhos de açúcar davam aos escravos os "restos" dos porcos, quando estes eram carneados. O cozimento desses ingredientes, com feijão e água, teria feito nascer a receita. No entanto, tal versão não se sustenta, seja na tradição culinária, seja na mais leve pesquisa histórica. Segundo Carlos Augusto Ditadi, técnico em assuntos culturais do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, em artigo publicado na revista Gula, de maio de 1998, essa alegada origem da feijoada não passa de lenda contemporânea, nascida do folclore moderno, numa visão romanceada das relações sociais e culturais da escravidão no Brasil.

O padrão alimentar do escravo não difere fundamentalmente no Brasil do século XVIII: continua com a base, que fora estabelecida desde os primórdios, formada por farinha de mandioca ou de milho feita com água e mais alguns complementos. A sociedade escravista do Brasil, no século XVIII e parte do XIX, foi constantemente assolada pela escassez e carestia dos alimentos básicos decorrente da monocultura e do regime de trabalho escravocrata, não sendo rara a morte por alimentação deficiente, o que incluía os próprios senhores de engenho.

O escravo não podia ser simplesmente maltratado, pois custava caro e era a base da economia. Devia comer três vezes ao dia, ao almoçar às 8 horas da manhã, jantar à 1 hora da tarde e cear às 8 até as 9 horas da noite. Nas referências históricas sobre o cardápio dos escravos, constatamos a presença inequívoca do angu de fubá de milho, ou de farinha de mandioca, além do feijão temperado com sal e gordura, servido muito ralo, a ocasional aparição de algum pedaço de carne de vaca ou porco e punhados de farinha de mandioca. Alguma laranja colhida do pé complementava o resto, o que evitava o escorbuto. Às vezes, em final de boa colheita de café o capataz da fazenda podia até dar um porco inteiro aos escravos. Mas isso era exceção. Não existe nenhuma referência conhecida a respeito de uma humilde e pobre Feijoada, elaborada no interior da maioria das tristes e famélicas senzalas.

Existe também, um recibo de compra pela Casa Imperial, de 30 de abril de 1889 em um açougue da cidade de Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, no qual se vê que, consumia-se carne verde, de vitela, carneiro, porco, lingüiça, lingüiça de sangue, fígado, rins, língua, miolos, fressura de boi e molhos de tripas. O que comprova que não eram só escravos que comiam esses ingredientes, e que não eram de modo algum "restos". Ao contrário, eram considerados iguarias. Em 1817, Jean-Baptiste Debret já relata a regulamentação da profissão de tripeiro, na cidade do Rio de Janeiro, que eram vendedores ambulantes, e que se abasteciam nos matadouros de gado e porcos, destas partes dos animais. Ele também informa que os miolos iam para os hospitais, e que fígado, coração e tripas eram utilizados para fazer o angu, comumente vendido por escravas de ganho ou forras nas praças e ruas da cidade.

Portanto, o mais provável é creditar as origens da feijoada a partir de influências européias. Alguns crêem que sua origem tem a ver com receitas portuguesas, das regiões da Estremadura, das Beiras e de Trás-os-Montes e Alto Douro, que misturam feijão de vários tipos - menos feijão preto (de origem americana) - lingüiças, orelhas e pé de porco. E ainda há aqueles que afirmam que a feijoada é um prato inspirado em outro prato europeu, como o cassoulet francês, que também leva feijão no seu preparo. A Espanha tem o cozido madrileño. A Itália, a “casseruola” ou "casserola" milanesa. Ambos são preparados com grão-de-bico. Aparentemente, tiveram a mesma evolução da feijoada, que foi incrementada com o passar do tempo, até se transformar na obra-prima da atualidade. Câmara Cascudo observou que sua fórmula continua em desenvolvimento.

A feijoada já parece ser bem conhecida no início do século XIX, como atesta um anúncio, publicado no Diário de Pernambuco, na cidade do Recife, de 7 de agosto de 1833, no qual um restaurante, o Hotel Théâtre, recém-inaugurado, informa que às quintas-feiras seria servida "feijoada à brasileira". Em 1848, o mesmo Diário de Pernambuco já anuncia a venda de "carne de toucinho, própria para feijoadas a 80 réis a libra". Em 1849, no Jornal do Commércio do Rio de Janeiro, no dia seis de janeiro, na recém instalada casa de pasto "Novo Café do Commércio", junto ao botequim da "Fama do Café com Leite", é comunicado aos seus clientes que será servida, a pedido de muitos freguezes, "A Bella Feijoada á Brazilleira", todas as terças-feiras e quinta-feiras.

A feijoada completa, tal como a conhecemos, acompanhada de arroz branco, laranja em fatias, couve refogada e farofa, era muito afamada no restaurante carioca G. Lobo, que funcionava na rua General Câmara, 135, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O estabelecimento, fundado no final do século XIX, desapareceu em 1905, com as obras de alargamento da rua Uruguaiana. Com a construção da avenida Presidente Vargas, na década de 1940, esta rua desaparece por definitivo.
Nos livros Baú de Ossos e Chão de Ferro, Pedro Nava descreve a feijoada do G. Lobo, elogiando aquela preparada pelo Mestre Lobo. Sobretudo, revela-se na presença do feijão-preto, uma predileção carioca. A receita contemporânea teria migrado da cozinha do estabelecimento G. Lobo para outros restaurantes da cidade, bem como para São Paulo, Minas Gerais e [Bahia]. Bares e botequins das grandes cidades do Centro-Leste também a adotaram com sucesso. Mas ressalva Pedro Nava que é (...)"antes a evolução venerável de pratos latinos".

A feijoada de qualquer forma, se popularizou entre todas as camadas sociais no Brasil, sempre com espírito de festa e celebração. Ficaram famosas na lembrança, aquelas preparadas no final do século XIX e início do XX, na cidade do Rio de Janeiro, pela baiana Tia Ciata.

E anteriormente, o escritor Joaquim José de França Júnior, em texto de 1867, descreve fictíciamente um piquenique no campo da Cadeia Velha, onde é servida uma feijoada com " (...) Lombo, cabeça de porco, tripas, mocotós, língua do Rio Grande, presunto, carne-seca, paio, toucinho, lingüiças (...) ". E em 1878, descreve uma "Feijoada em [Paquetá]", onde diz que: " (...)A palavra – feijoada, cuja origem perde-se na noite dos tempos d’El-Rei Nosso Senhor, nem sempre designa a mesma coisa. Na acepção comum, feijoada é a iguaria apetitosa e suculenta dos nossos antepassados, baluarte da mesa do pobre, capricho efêmero do banquete do rico, o prato essencialmente nacional, como o teatro do Pena, e o sabiá das sentidas endeixas de Gonçalves Dias. No sentido figurado, aquele vocábulo designa a patuscada, isto é, "uma função entre amigos feita em lugar remoto ou pouco patente" (...)".

Atualmente, espalha-se por todo o território nacional, como a receita mais representativa da cozinha brasileira. Revista, ampliada e enriquecida, a feijoada deixou de ser exclusivamente um prato. Hoje, como também notou Câmara Cascudo, é uma refeição completa.

Fonte: www.idadedosucesso.com.br

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