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terça-feira, 20 de outubro de 2009

Mulher de verdade



Mulher de verdade
Edição 268 - Out/05


A ditadura da magreza está com os dias contados? Provavelmente não a curto prazo, mas agora ter curvas não é motivo de vergonha. Na última semana de moda em Paris, a estrela foi uma modelo manequim 44; nas telas, estrelas de Hollywood, como a atriz Jessica Alba, defendem formas mais femininas. E a atriz Cleo Pires é a legítima representante do movimento no Brasil

Crystal Renn é uma modelo americana que há poucas semanas desfilou para Jean-Paul Gaultier em Paris e teve a honra de encerrar o desfile entrando de mãos dadas com o estilista. Ela já apareceu em ensaios fotográficos na revista Teen Vogue em fevereiro, Vogue America em abril, Vogue Paris e Italia em março. E ela também é queridinha do fotógrafo Steven Meisel. Essa seria outra história de mais uma top model bem-sucedida não fosse um detalhe: Crystal veste tamanho 42-44, tem 96cm de busto, 82cm de cintura e 109cm de quadril. No mundo da moda, ela é uma aberração. Gisele Bündchen, por exemplo, tida como dona de fartas formas no mundinho fashion, veste manequim 36-38 e tem 88cm de busto, 60 de cintura, 88 de quadril. Mas não se iluda. A “ditadura da magreza” não dá sinais de estar próxima do fim, mas há sinais de um movimento paralelo ao da magreza, a onda curvy (curvas), que propõe a valorização das curvas femininas

NOVA ONDA. Chamar as integrantes do curvy de gordinhas é um erro. A idéia é valorizar as curvas, mas as curvas naturais da estética feminina, nada a ver com excesso de gordura. No Brasil, o movimento ainda não chegou nas passarelas, mas basta ligar a televisão para se comprovar que já há algum tempo o conceito já existe por aqui, vejam-se os exemplos de Cleo Pires e Juliana Paes, legítimas representantes nacionais do curvy. O problema é que essas mulheres são valorizadas principalmente por homens, mas com conotação sexual, não necessariamente encaradas como belas. A comum distinção masculina entre bonita e gostosa (a preferência masculina) ainda é carregada de uma perspectiva machista vendo a mulher como mero objeto sexual.

Um dos mais evidentes sinais de que era necessária uma mudança no modo de se ver a beleza feminina veio por meio de uma pesquisa realizada por profissionais de Harvard e da London School of Economics para a marca Dove em 2004. Foram entrevistadas 3.200 mulheres no Brasil e em outros nove países para traçar o perfil feminino em relação à beleza. Algumas descobertas foram surpreendentes: apenas 2% das mulheres se achavam belas e 4 em cada 10 mulheres concordavam fortemente que não se sentiam à vontade para se descrever como belas. Perguntadas se se achavam maravilhosas, o índice de respostas positivas foi tão baixo que não chegou a 1%. No Brasil, 51% das mulheres se achavam acima do peso. Concluindo, as mulheres de modo geral estavam insatisfeitas com a própria beleza. A companhia de cosméticos, com base na pesquisa, criou a campanha pela real beleza – na qual apresenta mulheres “normais”, e não modelos, em seus comerciais.
A valorização das características femininas enfatizando que as mulheres são bonitas como são, independente de estereótipos, funcionou. As vendas aumentaram 30%. Outro fenômeno recente é o crescente número de celebridades, principalmente em Hollywood, defendendo a onda curvy.

Depois deKate Winslet e Scarlett Johansson pregarem o fim da ditadura da magreza, foi a vez de Jessica Alba, 24 anos, eleita uma das mulheres mais sexies do mundo, sair em defesa das mulheres com curvas. Uma prova de que as curvilíneas estão em alta é o anúncio de que a cantora e atriz latina Jennifer Lopez será a capa do prestigiado Calendário Pirelli 2006.

“No final do dia, eu apenas penso que as garotas que têm curvas e não são as mais magras do mundo vão se sentir mais confortáveis me vendo como protagonista de um filme. Talvez eu possa melhorar a imagem que essas jovens garotas têm de seus próprios corpos”
– Jessica Alba, atriz

OLÍVIA PALITO. E quando se pensa em formas femininas, o tema dieta sempre surge. “Se a exigência de magreza não for tão grande, pessoas serão mais felizes até emocionalmente”, diz a endocrinologista Alessandra Rascovski, e acrescenta: “Não estou defendendo a gordura, ao contrário. Mas infelizmente muitas pessoas estão correndo atrás de um objetivo de peso ideal (algo que elas imaginam que seja o número mágico) e não de um peso factível (aquele que o corpo mantém de maneira fácil). Modelos de passarela não são um modelo de peso factível, a busca por números deve ser desestimulada”, diz a médica. Segundo Alessandra, são comuns os casos de mulheres que chegam ao consultório com pesos factíveis e querem emagrecer. “Dependendo do seu biótipo é impossível ser Gisele Bündchen. E modelos muitas vezes são magras porque não desenvolvem musculatura. Sem músculo ficam mais magras, mas é o menos saudável porque o músculo ajuda a manter a saúde”, diz a médica, que vê na mídia grande fator de influência nas mulheres e acredita que, se atrizes e modelos com curvas ganharem mais espaço, seu trabalho será facilitado. “Muitas vezes a parte mais difícil é convencer alguém de que ela está com o peso certo”, diz ela, que não raro recomenda a terapia para seus pacientes.


No universo da moda, a magreza é encarada com naturalidade. Fruto talvez de uma cultura onde aos 12, 14 anos, já se inicia na profissão e tendo em mente a necessidade de se manter magra. É difícil encontrar uma modelo que diga sofrer para manter a forma e dificilmente alguma em atividade irá se opor à idéia de ser magra. “Já tive fase que fui muito maior, 10kg a mais, mas muito peito dá vincos na roupa, amassa, prejudica o visual na passarela”, diz Juliana Imai, 20, que começou a modelar com 14, e tem um filho de 1 ano e oito meses. Mas Juliana teve de parar de amamentar o filho com seis meses para poder voltar às passarelas. Ela também não freqüenta academia para não “ganhar corpo”.
“Toda mulher em Hollywood é tão esquelética que é fácil achar que você não é magra o suficiente. Mas eu tenho os meus dias de gorda e aceito que nunca serei magra como um trilho de trem”
– Scarlett Johansson, atriz

MAGRINHAS. Não raro atrizes e modelos são vítimas de distúrbios alimentares, mas basta uma olhada nos números para entender o motivo. Segundo o pesquisador canadense Gregory Fouts, três quartos dos personagens femininos em filmes e seriados americanos são interpretados por mulheres abaixo do peso e apenas uma entre 20 estão acima do peso. A psicóloga Nancy Etcoff, de Harvard, sentenciou: “As mulheres de hoje se comparam com o 1% das mulheres top do mundo. Antes era mais fácil, pois elas se comparavam com as vizinhas”. Um por cento ditando moda além de arrogante é chato pela falta de originalidade. Veja o caso de Sophie Dahl, que com seus quilinhos a mais, conquistou as passarelas na década de 90 e caiu no esquecimento depois de perder peso. Como disse Andy Warhol, “é duro batalhar por uma aparência diametralmente oposta àquela que a natureza lhe deu e tornar-se uma mulher que imita outra”. Como na arquitetura e na natureza, sem curvas não há beleza!

“Não! Não! Não importa se você é gorda, magra, quadrada ou um palito fino. O que importa é você se sentir bem do jeito que você é. Prefiro mulheres mais voluptuosas e acho que 90% dos homens também. Os caras gostam de uma bunda, de um peito. Para pegar, entendeu? Para o meu meio, tenho um corpo bom. Para a minha vida pessoal, gostaria de ser mais cheinha. Esse é o meu gosto. Um dia vou conseguir chegar lá, espero. Eu tento! Minha mãe diz que o corpo muda depois dos 30 anos, estou esperando”
– Gisele Bündchen, modelo, em entrevista a QUEM em 2003

Preta Gil causou escândalo ao expor suas curvas na foto de lançamento de seu primeiro CD, em 2003, onde aparecia nua, exibindo suas curvas. Agora, ela está lançando seu segundo CD, Preta. Nesse meio-tempo muita coisa aconteceu e a cantora chegou até a entrar em depressão. Motivo: “Minha terceira lipoaspiração foi uma automutilação, foi drástico e banal. Passava por problemas afetivos, pessoais e ideológicos e por causa disso fiz essa lipo. Caí nessa isca do mercado e da mídia para ser magra. Entrei em depressão e refleti muito sobre essa questão. Hoje sei, sou mulata e popozuda e devo aceitar isso. Gostaria de ver essas ondas de maneira boa, mas vejo como algo oportunista. Essas mulheres também são um grande mercado consumidor e minha discussão vem da valorização da mulher, mas não só pelo corpo”, diz a cantora. E acrescenta: “São oportunistas, mas sem dúvida a partir disso pode vir algo de verdade quebrando essa ditadura da magreza”, diz.

DO QUE OS HOMENS GOSTAM?
SAIBA A OPINIÃO DE QUEM ENTENDE DO ASSUNTO
“As curvas das mulheres já inspiraram vários sambistas, agora é a vez do funk. Moda, música e sociedade andam juntas. No tempo da Martha Rocha as músicas falavam daquele tipo de beleza. Hoje ninguém quer ser tábua, até porque bumbum é a primeira coisa que o homem olha. Claro que mulher tem que ter conteúdo, ser inteligente e ter carisma, mas com curvas é muito melhor, afinal, tem que ter onde pegar.”
– DJ Marlboro

“Para quem faz moda, o importante é não ter preconceitos, modelo não tem que ser necessariamente magra, há um conjunto de coisas: olhar, cabelo e até a energia dela na passarela. A moda cada vez mais é muito plural, não acredito que exista uma única corrente como a das magras ou gordinhas. Há diferentes mercados e cada marca busca um público consumidor. Moda é um processo produtivo muito caro e a média do tamanho nas fábricas é de 36 a 42 porque é muito caro replicar roupas em outros manequins. Mas já há marcas optando por tamanhos com numeração maior hoje em dia.”
– Paulo Borges, criador da SPFW

“Até pela miscigenação das brasileiras, sempre teremos diferentes tipos de beleza para oferecer ao mundo da moda. Acima de tudo a mulher precisa ter feminilidade, mas acredito que para as passarelas magrinha é melhor, mas eu prefiro uma gostosa.”
– Wanderley Nunes, cabeleireiro


COMO UMA DEUSA
SER FEMININA É MUITO MAIS DO QUE TER UM CORPO BEM-FEITO
Por Simone Galib
Bons tempos aqueles em que as mulheres não derrapavam em suas curvas, muito menos tentavam acabar com elas. Ao contrário: eram felizes com um corpo roliço, feminino, sedutor – e bonito. Elas também sabiam, de alguma forma, que gorduchas ou esguias, altas ou baixas, bonitas ou feias, louras ou morenas, tinham um plus que nenhum homem, nenhum creme, nenhuma cirurgia, nem qualquer nova dieta poderia tirar delas: o de sua feminilidade. Algo que não se conquista: vem da fábrica, da essência – e tem poder. Muito poder.

Bem antes de virarem sex symbols de Hollywood, essas mulheres foram musas, ou melhor, deusas. Nas culturas antigas, eram respeitadas e reverenciadas. Elas também viraram arte, inspirando pintores impressionistas, renascentistas, e se eternizaram em belas esculturas, incríveis retratos. Sim, precisavam entrar para a História, reforçar suas origens, delimitar territórios. Era como se soubessem, intuitivamente, que no mundo contemporâneo iriam se trancar em uma terrível camisa-de-força, de manequim 38 e modelo lipoesculturado.

Nestes novos tempos em que ser magra parece ter virado uma questão de dignidade, ou sobrevivência – e quem não se enquadra exatamente nisso parece ter perdido o direito de ser mulher, e feliz –, a boa notícia é que há sinais de que a fase de escravidão pode estar acabando. E ser feminina – e muito poderosa – não tem nada a ver com o que vem de fora. O que vale mesmo é o que está dentro: intuição, sensibilidade, emoção e criatividade. E isso toda e qualquer mulher tem de sobra. Vocês acham que é pouco?

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