Ciência da Informação
Print version ISSN 0100-1965
Ci. Inf. vol.34 no.1 Brasília Jan./Apr. 2005
doi: 10.1590/S0100-19652005000100007
ARTIGOS
Os colégios virtuais e a nova configuração da comunicação científica*
The new colleges and the configuration of scientific communication
Walter Moreira
Mestre em biblioteconomia e ciência da informação. Pontifícia Universidade Católica de Campinas – SP. E-mail: wmoreira@fatea.br
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RESUMO
Discute as mudanças nos modelos de comunicação formal e informal provocadas pelas tecnologias de informação e comunicação e, em particular, o conceito em formação de colégios virtuais, apresentados muitas vezes como sucedâneos dos colégios invisíveis. Revê o papel reservado à internet no novo cenário, tanto como canal de comunicação quanto como repositório de informações, e apresenta elementos para uma discussão sobre o novo modelo de comunicação científica via rede tendo em vista as discussões sobre acesso gratuito aos periódicos eletrônicos. Conclui atestando o ressurgimento da comunicação científica, suas novas ferramentas e possibilidades interativas ou de interação, como campo complexo de investigação, o qual exige novos estudos com o fim de verificar onde e como se dão as novas confluências.
Palavras-chave: Comunicação científica; Colégios virtuais; Colégios invisíveis.
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ABSTRACT
Discuss the changes in the models of formal and informal communication provoked by communication and information technologies and, in particular, the concept in evolution of virtual colleges, presented many times as substitutes of invisible colleges. Reviews the role of internet in the new scene, as much as communication channel as a repository of information, and presents elements for a debate on the new model of scientific communication regarding the debates on free access of electronic journals. Concludes certifying the resurrection of the scientific communication, its new tools and interactive or interaction possibilities, as a complex field of research, which demands new studies with the purpose of verify where and how the new confluences happens.
Keywords: Scientific communication; Virtual colleges; Invisible colleges.
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A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E O CIBERESPAÇO
Desde que Derek J. Solla Price publicou seu clássico Big science, little science, em 1963, já se disseram muitas coisas sobre os colégios invisíveis. Ninguém ousou negar sua importância, mas talvez o que se disse ainda não foi suficiente, pois, embora se trate de assunto de interesse para os envolvidos com a ciência da informação e mais especificamente com a comunicação científica, é muito comum encontrar estudantes ou mesmos profissionais destas áreas que não conseguem formar um significado preciso para o adjetivo invisível aposto ao termo colégio.
Este debate ganhou novo alento com as facilidades que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) trouxeram. À distinção, no modelo clássico apresentado por Ferreira, Modesto e Weitzel (2003), de que
a comunicação formal se consolida pela comunicação escrita, ou seja, pelas publicações com divulgação mais ampla, como os periódicos, livros, relatórios, resumos, índices, revisões etc. A comunicação informal inclui normalmente a transferência da informação por canais de caráter mais pessoal ou destituídos de formalismos, abrangem relatos de pesquisa ainda não concluída e/ou em andamento em reuniões científicas e participação em associações profissionais e colégios invisíveis,
acrescentam-se outros problemas. A comunicação científica, seja formal ou informal, está passando por mudanças tão significativas que cada vez mais se tornam indistintas suas barreiras (RUSSELL, 2001). A auto-publicação, por exemplo, de um relato de pesquisa é ao mesmo tempo informal (porque não obedece a um formato fixo) e formal (porque não se limita a um grupo definido de receptores).
Lévy (1999, p. 92) chama de ciberespaço "o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores". O conceito causa, todavia, estranhamento quando se pensa na desterritorialização promovida por esse mesmo ciberespaço. O componente político dessa ausência de territórios demarcados, por mais utópico que isso possa soar, tem merecido interessantes estudos. A discussão sobre acesso e posse iniciada pela ciência da informação na década de 90 já levava em conta aspectos da economia da informação, quando se verificou que "a comunicação mediada por computador agrega conceitos de solidariedade e democracia ao impedir a concentração de poder associado com a informação" (PIMIENTA; LIENDO, 1993 apud PINHEIRO, 2003, p. 64). A internet era vista, então, como canal promotor e facilitador da solidariedade. Particularmente no caso do Brasil, um país com dimensões continentais, os problemas com infra-estrutura tecnológica ainda formam um entrave.
COMUNIDADES VIRTUAIS
O conceito de comunidade no senso comum ganhou contornos de compartilhamento geográfico, mas este é apenas um dos aspectos e nem mesmo o mais importante. O que caracteriza mesmo uma comunidade é o interesse comum. Pessoas que habitem a mesma região e que não tenham governo ou herança cultural e histórica comum não constituem necessariamente uma comunidade.
Nas comunidades virtuais isso é patente. Pode-se observar que neste tipo de comunicação as pessoas são localizadas e contatadas em função de suas áreas de interesse, mais do que por proximidade geográfica. Isto alimenta uma nova rede de relacionamentos, com ações reais. Não se pode cair em armadilha de palavras, adverte Lévy (1999, p. 130):
uma comunidade virtual não é irreal, imaginária ou ilusória, trata-se simplesmente de um coletivo mais ou menos permanente que se organiza por meio do novo correio eletrônico mundial.
A comunidade virtual cresce cada vez mais e ganha aspectos que lhe são intrinsecamente peculiares, os quais têm atraído a atenção de muitos estudiosos. Um dos fenômenos recentes que têm merecido destaque no próprio ambiente virtual e igualmente no ambiente impresso é a Wikipedia e o Orkut.
A Wikipedia (www.wikipedia.org) é daquelas coisas anárquicas e eficazes ao mesmo tempo que somente a internet poderia produzir. Trata-se de uma enciclopédia mundial escrita por diversos colaboradores em todo o mundo. Na Wikipedia, cuja produção em língua portuguesa começou em 2002, todas as páginas são editáveis, sem necessidade de cadastro.
O Orkut (www.orkut.com) é um site de relacionamentos mantido pelo Google, o qual tem grande interesse nos relacionamentos que as pessoas estabelecem na rede para que possa melhorar ainda mais seu mecanismo de busca. O princípio é bastante simples. Um dos maiores problemas do Google hoje é não saber quem exatamente está propondo a questão. Conhecendo-se melhor o indivíduo que propõe a busca, o que é possível fazer rastreando seus interesses manifestos por meio das escolhas entre esta ou aquela comunidade, pode-se selecionar melhor o conjunto de páginas que irão compor os resultados. Quando um sujeito propõe, por exemplo, uma busca por São Paulo, este novo algoritmo poderá identificar se a busca refere-se ao santo, ao time de futebol ou à cidade/estado. O Orkut propõe-se como objetivo fomentar a vida social na rede. Há diversas comunidades virtuais, sobre os mais diversos (interessantes ou bizarros) assuntos com a participação de internautas brasileiros em número bastante expressivo.
Pretende-se neste artigo debater o conceito em formação de colégios virtuais, apresentados muitas vezes como sucedâneos dos colégios invisíveis. A terminologia neste domínio reflete a velocidade das mudanças tecnológicas a que está afeito. Enquanto o termo colégio invisível representou por quatro décadas um conceito relativamente consensual, as novas designações são legião, se não conflitantes. Diferenças sutis podem ser verificadas na lista de denominações apresentada por Gresham Jr. (1994, p. 39):
electronic conferences, e-conferences, computer conferences, mailing lists, listservs, electronic forums, online discussion groups, scholarly discussion groups, special interest groups, news groups, netgroups.
Esta taxionomia tem, como se vê, dez anos, e os conceitos ainda não se firmaram totalmente.
Adotar-se-á aqui o termo colégio virtual com o fim de preservar a analogia com o colégio invisível e sua carga semântica, conforme proposto por Price (1973), isto é, tem-se como princípio que o número de cientistas trabalhando em uma área específica é pequeno e que estes se conhecem entre si, mesmo que não pessoalmente. Esta comunidade mantém-se a par dos respectivos trabalhos e troca informações via correio eletrônico ou listas de discussão, preferencialmente, embora utilize também outros meios. O colégio virtual atua como rede de comunicação e intercâmbio, como fórum de educação e de socialização dos novos cientistas.
Um dos principais veículos dos colégios virtuais são as conferências eletrônicas. Segundo Lévy (1999, p. 99), um sistema de conferências eletrônicas
é um dispositivo sofisticado que permite que grupos de pessoas discutam em conjunto sobre temas específicos. As mensagens são normalmente classificadas por assunto e por subtópicos. Alguns assuntos são fechados quando são abandonados e outros são abertos quando os membros do grupo acham necessário. Em um sistema de conferências eletrônicas, as mensagens não são dirigidas a pessoas, mas sim a temas ou subtemas. O que não impede os indivíduos de responderem uns aos outros, já que as mensagens são assinadas. Além disso, indivíduos que tenham entrado em contato em uma conferência eletrônica podem em geral comunicar-se pelo correio eletrônico clássico, de pessoa a pessoa.
É importante ressaltar que este é apenas um dos serviços de que a comunidade virtual lança mão. Ainda que seja um dos mais comuns, existem outras possibilidades tão ou mais interessantes.
Pithan, Cheriaf e Lamberts (2004) estudam a viabilidade de implantação de comunidade virtual na área de construção civil por meio da proposta de um Centro de Referência e Informação no Ambiente Construído (Criac), vinculado à Associação Nacional de Tecnologia do ambiente construído (Antac). O Projeto Criac prevê: a) núcleos virtuais temáticos "voltadas para o Ambiente Construído, visando a favorecer e adequar o uso dos serviços de informação da Internet para essas comunidades" por meio de estrutura tecnológica que favoreça: a) interação; b) sistema de busca especializado; c) links para sites especializados; d) fóruns; e) chats; f) listas de discussão; g) clippings; h) notícias; i) boletins de notícias interativo; j) gestão de eventos e editoração de anais; l) biblioteca digital de periódicos; m) biblioteca virtual; n) base de dados de fotos, plantas e mapas e visualização via web.
A INTERNET COMO CANAL DE COMUNICAÇÃO
A que categoria de canal pertence exatamente a Internet? Trata-se de um canal informal? De um canal formal? Qualquer classificação é, ainda, temerária. Araújo e Freire (1996, p. 53), quando a discussão ainda era relativamente incipiente no Brasil, apostaram no aspecto híbrido, no que acertaram: "um canal formal de comunicação informal", hoje, contudo, sabe-se que a Internet é ao mesmo tempo formal e informal e que os tipos de comunicação se interpenetram também em seus aspectos formal e informal. Trata-se de um canal plural por excelência. As listas de discussão, por exemplo, não são compostas somente de oralidades escritas, nem são puramente formais como os artigos, mas certamente compõem-se da estrutura de ambas as formas de comunicação. Isso tem tornado cada vez mais comum a organização e disponibilização das mensagens geradas no interior dessas listas como fonte de pesquisa. Yates, citado por Greesham Jr (1994, p. 47), demonstra essa hibridez nas listas de discussão aplicando um índice conhecido como "densidade lexical", o qual descreve as diferenças entre oralidade e escrita. Nas listas de discussão estudadas por este autor, as mensagens possuíam características lexicais que as aproximavam tanto da fala quanto da escrita.
Enquanto canal informacional que permite a ligação entre as pessoas, parece que a internet caminha realmente para um consenso. Não se pensa mais nos relacionamentos, sejam formais ou informais, sem que se considerem suas facilidades. Como exemplo disso, pode-se citar que o grande diferencial observado por Souza (2003) em seu estudo sobre os efeitos das tecnologias na comunicação dos pesquisadores da Embrapa refere-se ao aumento da interação entre pesquisadores da própria instituição e, em menor número, com pesquisadores brasileiros de outras instituições, formando uma "grande rede de comunicação", um "colégio invisível eletrônico", nas palavras da autora (p. 140-141). Neste sentido, os colégios virtuais podem ser considerados como um tipo instável de capital social, pois é mais evidente o alcance de benefícios por meio de contatos do que pela obtenção de informações (MATZAT, 2002). É justamente com essa instabilidade que as pesquisas futuras sobre o assunto deverão lidar, tornando-se importante investigar quando os colégios virtuais fornecem capital social e sob que condições.
Identificar com que objetivos os pesquisadores usam a Internet quando realizam atividades científicas foi uma das preocupações de Pinheiro (2003, p. 68), cujos resultados indicam que
os maiores índices estão relacionados à própria comunicação científica entre pares (96,4%), seguida do encaminhamento de trabalhos a congresso, (92,5%) alcançando alto índice também a submissão de artigos para periódicos (83,4%).
A autora ainda destaca que a rede "tanto estimula a comunicação informal, entre pares, quanto formal, facilitando os procedimentos de avaliação em periódicos e congressos [...]".
O debate, entretanto, não é tão tranqüilo quando se discute a Internet como serviço de informação que oferece acesso a documentos. Não é incomum encontrar estudiosos da ciência da informação que rejeitam qualquer comparação da Internet com uma biblioteca e rejeitam inclusive metáforas que se lhe relacionem, como, por exemplo, a de biblioteca sem paredes. Essa discussão, ainda que apaixonante, não é, como se disse, o foco deste artigo, mas ainda assim quer-se destacar, com Mostafa e Terra (1998), que a Internet funciona também como meio de comunicação
não apenas como conseqüência do uso de ferramentas específicas de comunicação como correio, salas de "chat" e "seus comentários para melhorar nossa página", mas principalmente porque esses mecanismos ajudam a desestabilizar o repositório que então está sempre em "permanente construção".
A internet oferece todas as possibilidades com as quais nem mesmo os mais entusiastas escritores de ficção ou os utópicos sonhadores de Alexandria poderiam sonhar. A quantidade de informações é tal, que com menos de 12 anos de idade pode-se ter tido acesso a um número muito superior do que aquele que um adulto na Idade Média seria capaz de recolher durante toda a sua vida (CEBRIAN, 1999, p. 120).
Tudo o que se precisa, lembra Artus (2003, p. 3) fazendo coro ao que já se tornou lugar-comum, é um computador, acesso à internet e uma página com URL. Então se pode ser tudo em um só: autor, parecerista, impressor, editor e vendedor. Se isso acontecesse, pergunta o mesmo autor (p. 4), em um lampejo de otimismo e de provocação, o que aconteceria com a literatura cinzenta? Esta literatura só pode ser definida em relação à literatura formal branca publicada. A distinção deixaria de existir? Haveria apenas literatura? Retoma a questão posteriormente e demonstra que não há, na verdade, mudança ou diminuição significativa na barreira que separa as literaturas branca e cinzenta. A internet reproduz o modelo já em curso; torna-se a mídia ideal, tanto para os editores comerciais quanto para os não-comerciais, de realização de suas propostas. O editores comerciais podem fazer valer seus direitos em um mercado novo, crescente e atrativo e ao mesmo tempo diminuem custos de produção e distribuição. Os editores não-comerciais podem disseminar informações e idéias para um público mais amplo e de forma muito mais rápida, fácil e barata.
Población, Noronha e Currás (1996, p. 228) já destacaram a rapidez de fluxo da literatura cinzenta como uma de suas características.
Se, por um lado, a "literatura cinzenta" caracteriza-se pela sua tiragem reduzida, portanto, de divulgação restrita e conseqüentemente pela dificuldade de acesso, por outro lado, ela flui com rapidez entre os pares, pelo fato de ser "não-convencional", isto é, independe da formalização exigida na apresentação dos documentos convencionais – livros e publicações periódicas – que integram o grupo chamado de "literatura branca".
Atualmente, documentos tradicionalmente cinzentos como as teses e dissertações vêm se tornando cada vez mais visíveis graças aos esforços de criação de bibliotecas digitais de teses e dissertações e a serviços de alerta com oferecimento de texto completo, como o da USP.
NOVO MODELO DE COMUNICAÇÃO
Acredita-se que a comunicação formal/informal realizada por meio de recursos das tecnologias de comunicação e informação cresce principalmente como meio de suprir falhas relacionadas à atualização.
Pergunta-se, portanto: pode-se considerar como realmente significativas as mudanças verificadas na comunicação científica nos últimos 20 anos? A internet foi apresentada como potencial mudança de paradigma na comunicação científica, mas ainda não se concretizou de fato, pelo menos não no sentido que Kuhn (1978) atribuiu ao termo, isto é, ainda não se verificou nenhuma revolução. Mas a crise que antecede as revoluções já se faz notar. Ainda que a indústria de publicações acadêmicas receba seu impulso da necessidade imperiosa de publicar ou morrer, o controle do sistema está cada vez mais em mãos das empresas editoriais (RUSSELL, 2001). O paradoxo resultante é que o número de publicações cresce exponencialmente e as bibliotecas se vêem obrigadas cada vez mais a diminuir o número de assinaturas. Houve, entretanto, algumas reformas; essas sim, muito significativas.
O modelo tradicional formal de comunicação entre pares está sendo revisto de modo muito revelador e promissor pelos open archives. Estudiosos de diversas áreas debruçam-se sobre a temática considerando-os como alternativa para a comunicação acadêmico-científica (SENA, 2000). Ferreira, Modesto e Weitzel (2003) buscam definir um projeto de planejamento e implementação de um repositório temático de open archives na área de comunicação. Antelman (2004) discutiu seu fator de impacto na pesquisa nas áreas de ciência política, engenharia elétrica e eletrônica e matemática e verificou que artigos disponíveis gratuitamente têm realmente maior impacto. Prosser (2004) investigou como os arquivos de acesso livre podem transformar os periódicos e as comunicações acadêmicas, principalmente em função do alto custo e do desserviço das grandes editoras.
Russell (2001) compreende que as mudanças na estrutura dos sistemas de comunicação científica no momento são mais evolucionárias que revolucionárias e, usando o bom senso, não aposta no futuro, mas defende duas coisas relativamente claras: a transição, ou seja, a mudança em, em curso na comunicação científica, e a vinculação do destino da comunicação científica às TICs.
Como já se disse, as grandes editoras ainda dominam a cena, mas a facilidade de acesso-cópia-envio certamente as assustou e as tem obrigado a rever suas práticas de mercado. O oferecimento gratuito de revistas eletrônicas como condição para aumentar a visibilidade do periódico é uma técnica de promoção que interessa muito ao pesquisador distante dos grandes centros e sem acesso a fontes de informação relevantes em suas áreas.
A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA VIA REDE
Em janeiro de 2004, a Elsevier realizou survey com 4.062 cientistas (CARROLL, 2004, p. 5) no qual indagou-lhes sobre seu grau de concordância (em uma escala variando entre concordo totalmente, concordo, neutro, discordo, discordo totalmente) com a afirmação de que o Google satisfazia suas necessidades de busca quando queriam informação científica. Somados os números dos que concordaram totalmente (10%) e dos que apenas concordaram (39%), tem-se que 49% dos cientistas estão de acordo com a afirmação. O estudo revela ainda que os cientistas mais jovens tendem a concordar mais com a afirmação.
Investigou também a relação entre os concordantes e suas regiões e campos de atuação. Com relação às regiões, estão assim distribuídos: Asia Pacific (65%), Europe, Middle East and Africa (50%) e Americas (42%). Com referência às áreas de pesquisa, o quadro é o seguinte: Physical sciences (53%), Life sciences (47%), Medicine (44%) e Social Sciences (43%). Observa-se, portanto, que o maior número dos concordantes é de cientistas engajados em pesquisas na área de física na Ásia. Isso, com certeza, está relacionado ao modo como a ciência é produzida e distribuída pelo mundo.
Pode-se relacionar a presença majoritária de jovens entre os cientistas internautas, para o que já havia advertido Kuhn (1973, p. 122) a respeito da juventude como motor de mudanças:
[...] Quase sempre, os homens que fazem essas invenções fundamentais são muito jovens ou estão há pouco tempo na área de estudos cujo paradigma modificam. Talvez não fosse necessário fazer essa observação, visto que tais homens, sendo pouco comprometidos com as regras tradicionais da ciência normal em razão de sua limitada prática científica anterior, têm grandes probabilidades de perceber que tais regras não mais definem alternativas viáveis e de conceber um outro conjunto que possa substituí-las.
Isso pode explicar, em parte, algumas resistências. Pinheiro (2003, p. 65) verificou que, dentre os cientistas usuários de internet, a maioria tem entre 41 e 50 anos e acredita que isso é reflexo da pequena participação de jovens na ciência brasileira, fato observado também por Recio (2003) em relação à Espanha, com sua tese de doutoramento sobre a lista de discussão "Radiologia", uma referência mundial dentre as listas com esta temática, integrada por pesquisadores espanhóis e latino-americanos.
Aqui parece saltar novamente a advertência de Artus (2003, p. 7) sobre o potencial inexplorado da Internet: as enormes chances para a informação e comunicação livres oferecidas pela internet não são usadas pelo sistema científico. Naturalmente os editores comerciais não têm interesse pelo oferecimento de acesso livre a documentos na internet; mas por que os institutos de pesquisa não exploram as oportunidades oferecidas pelas TICs? Ontalba y Ruipérez (2002) estudou a RedIris – rede acadêmica e de pesquisa espanhola – e verificou que são pouco aproveitadas as possibilidades de trabalho, de investigação colaborativa e de criação cooperativa de conteúdos que a rede oferece.
Qualquer estudo que se faça sobre isso precisa levar em conta a complexidade das quatro faces do cientista, todas, claro, inter-relacionadas: autor, empregado, leitor, pesquisador (ARTUS, 2003, p. 7-8). Na condição de autor, o cientista quer ter seu trabalho publicado sem barreiras e com rapidez, seu maior interesse é disseminar suas idéias, mas não sem qualquer controle, quer publicar em periódicos com alta reputação. Como empregado, quer ganhar a vida, manter o emprego, por isso precisa publicar. Como todo e qualquer leitor, quer livre acesso a todos os textos e, na condição de pesquisador, quer livre acesso aos trabalhos de outros pesquisadores, seus colegas, para isso quer também um mecanismo eficaz que filtre suas buscas livres, em vista da grande quantidade de material. Há de se considerar também as dimensões da atividade científica, quais sejam, cognitiva, social, econômica e política.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Talvez seja ainda necessário lembrar que dentre os seis ambientes característicos que favorecem a inovação tecnológica, desenhados por Araújo (1979, p. 85), três deles relacionam-se ao fluxo da informação (acesso, fluxo interno e externo e contatos interpessoais).
Certamente a gratuidade de acesso a diversos periódicos e documentos eletrônicos já influi no modo como se organiza a comunicação científica. Odlyzko (2001) destaca alguns estudos que mostram que papers em ciência da computação disponíveis gratuitamente on-line são mais freqüentemente citados que outros. Isso já dá outro estudo. Os bibliotecários sabem há muito tempo que a facilidade de uso é crucial, sabem que a distância física da biblioteca já era empecilho para o usuário. A enorme quantidade de estudos de usuários produzidos no Brasil, nos anos 70 e 80 principalmente, atestam que em serviços de informação vale a lei do menor esforço. O ocaso da Encyclopaedia Britannica, atesta Odlyzko (2001, p. 7) deve-se exatamente ao fato de essa instituição remar contra a corrente, pois ser a melhor não a salvou.
Algumas questões muito interessantes sobre os colégios virtuais e a problemática que os envolve foram propostas por Matzat (2001). São perguntas para as quais ainda se buscam respostas:
• Os colégios virtuais são prioritariamente fontes para obtenção de informação ou fontes para estabelecimento de contatos?
• O efeito periférico existe? Os colégios virtuais são mais importantes para pesquisadores periféricos e mais jovens que para os já estabelecidos?
• Os colégios virtuais cumprem funções diferentes nas humanidades, por um lado, e nas ciências naturais, por outro? Como essas diferenças disciplinares podem ser explicadas?
• Que tipo de pesquisadores são os provedores de informação nestes grupos?
• O que determina se um pesquisador se torna um participante ativo em uma discussão em um colégio virtual, ou se permanece passivo?
O reduzido tamanho dos colégios invisíveis – aproximadamente 100 membros conforme Price (1973) – e seu elitismo certamente estão sendo revistos. Pode-se até mesmo já arriscar esta revisão, pois não são raros os eventos científicos no Brasil que congregam, hoje, em média duas mil pessoas, quer se trate de ciências duras, biológicas ou sociais/humanas. Após 30 anos de pós-graduação, o número de doutores e mestres, sem contabilizar os alunos matriculados nesses programas, alcança aproximadamente 12 mil pessoas, conforme dados apontados por Carneiro Jr. e Lourenço (2003, p. 190). Atendo-se somente à astronomia, conforme dados do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2000), o número de doutores no Brasil cresceu de dois para 250 nos últimos 25 anos.
Onde estão os 100 de Price? Conforme dados de Matzat (2002), quase um em cada quatro dos pesquisadores das universidades inglesas ou holandesas participa de pelo menos um grupo de discussão pela internet e apenas uma minoria usa os serviços de notícias eletrônicos. Estão claramente interessados, portanto, no debate.
A internet já foi definida como um labirinto. É preciso, portanto, explorá-lo para que seja possível movimentar-se melhor já que, neste caso, não existe a saída. A Web é, antes de tudo, como definiram Donath e Robertson há dez anos (1994), um lugar popular cujo número de usuários cresce e ainda assim (ainda hoje) tem-se a sensação de estar só quando se vagueia pela Web. Não se sente a presença de outros. O futuro dos navegadores (browsers), preconizaram os autores, relaciona-se com a evolução neste aspecto. A comunidade científica beneficiar-se-ia disso, com certeza.
A comunicação científica e suas novas ferramentas e possibilidades interativas ou de interação ressurgem como campo complexo de investigação, e são necessários novos estudos com o fim de verificar onde e como se dão as novas confluências. As inter-relações com as comunidades de prática, por exemplo, ou talvez o uso preferencial do correio eletrônico como forma de interação entre os cientistas ainda carecem de estudos mais sistemáticos, como os que tem recebido a Web. O fato de constituir-se em um veículo assíncrono e deixar ao leitor a determinação de sua ordem de leitura, pelo remetente ou pelo assunto das mensagens, ou ainda de possibilitar a ascensão das correspondências pessoais ao topo da lista, mesmo em um movimentado dia de trabalho, com certeza tornam este veículo algo mais do que um correio convencional melhorado.
Para finalizar, destaca-se a lúcida distinção entre mundialização e universalidade feita por Baudrillard (1997, p. 127), que certamente dá o tom das próximas discussões sobre comunicação científica:
Mundialização e universalidade não andam de mãos dadas; haveria, em princípio, autonomia de uma em relação a outra. A mundialização diz respeito aos tecnocratas, ao mercado, ao turismo, à informação. A universalidade, aos valores, aos direitos humanos, às liberdades, à cultura, à democracia.
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Artigo recebido em 28/02/2005 e aceito para publicação em 15/08/2005.
* Artigo desenvolvido durante a disciplina Comunicação Científica, ministrada pela professora doutora Dinah Aguiar Población, no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade de São Paulo, a quem agradeço pelas valorosas contribuições.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-19652005000100007&script=sci_arttext
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